Um tour de force (jus)racionalista: os sistemas de direito racional e o homem-natural como dispositif
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Um tour de force (jus)racionalista: os sistemas de direito racional e o homem-natural como dispositif
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Lucas Alberto Treitinger
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UNIVERSIDADE DE COIMBRA
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Gostaríamos de retraçar a passagem ao direito racional a partir da perspectiva dos direitos naturais; momento de confiança do homem em si mesmo que representa o apagamento da divindade e sua "estrutura cósmica" (aquela que dava sentido ao direito natural clássico, onde podia ele encontrar a ordem pré-disposta de um universo circular), e que pelo mesmo movimento ensejou uma fragmentação do direito: já não se falará do ius, mas de uma multitude de direitos; já não se encontrará uma referência objetiva do justo, senão infinitas referências até o absoluto subjetivismo da escolha (radical liberdade, que não por acaso tem como desfecho o voluntarismo positivista). Nesta recompreensão do jurídico, o homem como os clássicos o conheceram (este ser direcionado ao seu fim) deve apagar-se neste absoluto de si-mesmo; strauss dirá que tamanha arrogância teve como consequência um tempo (o nosso!) De retail sanity and wholesale madness: sem “princípios últimos” a que se submeter, o homem se encarrega de inventar seu próprio limite. A sua razão onipotente estendeu-se até encobrir toda a realidade humana, colocando em funcionamento este dispositif do homem-natural, ao redor do qual deve se reorganizar a civilização ocidental; com Villey, gostaríamos de pensar esse racionalismo marcado pela filosofia nominalista dos singulares, por uma retomada do lógos estóico, mas não menos pelo nascente cientificismo: essa primeira modernidade roubou mesmo a natureza, como os clássicos a compreendiam, de seu sentido (encontrando "máculas até mesmo nos astros”!), reduziu-a a mera materialidade contingente, tão inóspita quanto era incompreensível; conjunto desordenado de processos e substâncias que projetaria como seu duplo a natureza humana, que devia organizar o mundo na transparência do pensamento. Na esteira da cisão cartesiana, por entre sistemas e quadros conduzidos sob a ascese da lógica dedutiva, também o direito deve ser recompreendido sobre o único fundamento possível, deve partir da “natureza humana” como axioma em direção à totalidade sistêmica de um pensamento bem-ordenado. Os direitos são assim a “assinatura epidérmica" de um novo modo de vida, que cinde o mundo entre aquele que pensa e aquilo que é pensado; um tropeço que nos atinge ainda hoje, perguntando-nos pela coerência de uma relação jurídica que parte de um indivíduo isolado e seus direitos naturais para reorganizar a realidade social sob a égide do contrato social – como aponta Douzinas, o colapso da modernidade recente, a fragilidade do humanismo "essencialista", a imprecisão produtiva da linguagem dos direitos humanos, são um efeito excessivamente visível. Este legado filosófico já dá sinais de cansaço, e de toda forma ainda parecemos dele reféns; assim talvez se justifiquem nossas incursões "históricas" e “linguísticas”, atrás daquela recompreensão do jurídico que fez o homem sempre igual a si mesmo, enquanto nos propele (neste modern void) à tarefa sem-fim pelo fundamento do(s) direito(s).
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Filosofia e direito
- Dia 23 | Terça | Sala 13 |13:45-14:20
- IC 3
- 23/10/2018