31/03/2022

Lançamento da nova edição da Revista Sísifo, N° 14, Julho/Dezembro 2021

Feira de Santana

 

Revista Sísifo – Feira de Santana – (2014-)

 

nº 14 julho/dezembro 2021

Filosofia – Periódicos

 

ISSN: 2359-3121

 

Apresentação

 

Pensar o presente – talvez esse imperativo, apresentado por um dos artigos que compõem esse volume de nossa revista, seja, precisamente, uma das principais motivações que se encontra por trás desta edição. Afinal, apesar dela se apresentar como um dossiê sobre a filosofia de um filósofo em particular, em vez de tratar diretamente de alguma questão contemporânea, ela fala, em primeiro lugar, de um filósofo que está alcançando ampla projeção e visibilidade atualmente, precisamente por se dedicar à tarefa de pensar nosso presente em algumas de suas características mais marcantes e singulares: Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano radicado na Alemanha e professor da Universidade de Artes em Berlim, conhecido, particularmente, pelo seu livro Sociedade do Cansaço, onde apresentou pela primeira vez sua compreensão da nossa sociedade como uma sociedade do desempenho, caracterizada, de um modo geral, pelo excesso de positividade. Nesse sentido, um dossiê que se debruça sobre o pensamento desse filósofo não deixaria já de, só por isso, fornecer elementos para, por meio de uma compreensão mais aprofundada dos conceitos e ideias por ele formulados para pensar nossa sociedade contemporânea, também adquirir uma compreensão mais complexa e profunda de nosso próprio presente. 

Entretanto, é precisamente porque o principal interesse do dossiê continua a ser o de pensar o presente que as suas contribuições não se limitam ao trabalho exegético, sem dúvida por si só muito valioso e importante. Não se visou a, aqui, fazer um trabalho filosófico meramente interpretativo, como aquele que estamos muito acostumados a fazer em nossas pesquisas especializadas em filosofia (e que, sem dúvida, têm também a sua importância e o seu papel); antes, buscou-se conjugar o esforço de compreensão do autor em seus próprios termos com a reflexão crítica acerca dos limites, possibilidades e impasses de seu pensamento. O que, evidentemente, não implica descartar inteiramente o seu pensamento e a sua relevância; pelo contrário, muitas vezes, como esperamos que o dossiê contribua para deixar claro, uma das maiores contribuições que um filósofo pode nos dar para pensar o presente é o caminho de reflexão que ele nos indica  por meio de seus impasses, tensões e contradições - por meio daquilo que, sem ter ele mesmo pensado, dá a pensar para nós. 

Nesse sentido, e a fim de fornecer uma primeira apresentação abrangente do pensamento do filósofo, começamos com os artigos de Lucas Nascimento Machado Eder Aleixo, que, além de nos convidarem a conhecer o percurso filosófico do autor como um todo, e não apenas a partir da publicação de seu livro mais conhecido (o já mencionado Sociedade do Cansaço), oferecem tanto um primeiro caminho para se familiarizar com o autor, como também para pensar com ele e, ao mesmo tempo, para além dele (ou, ao menos, do que é explicitamente dito por ele). Os dois artigos seguintes, o primeiro de Estela Maria de Carvalho e o segundo de Camila Braga Leandro Pinheiro Chevitarese, fornecem uma primeira ponte de aprofundamento no pensamento de Han, por meio do diálogo com um dos seus principais e mais importantes interlocutores: Michel Foucault, discutindo a transição da Sociedade Disciplinar para a Sociedade de Controle (tal como concebida por Deleuze) e, por fim, para a Sociedade do Desempenho, como retratada por Han. Os dois artigos, seguintes, o primeiro, de Maurício dal Castel Augusto Jobim de Amaral, e o segundo de Benito Eduardo Maeso e Izis Tomass, oferecem um nível posterior de aprofundamento no pensamento do autor, explorando, respectivamente, os conceitos de psicopolítica (em profundo diálogo com outros pensadores que analisam a nossa sociedade contemporânea) e de estética do liso (não se limitando à compreensão desse conceito, mas mesmo tomando uma postura propositiva no sentido de pensar modos de superação do modelo estético apresentado e criticado por Han). Os últimos dois artigos, de Gabriel Salvi Philipson e de Kenzo Soares Seto, como que fechando o círculo dessa série de artigos, propõem uma visão mais ampla e crítica do pensamento de Han a partir do diálogo com outras figuras centrais na reflexão contemporânea sobre a nossa sociedade, fornecendo uma crítica e um complemento ao pensamento de Han ao colocá-lo em diálogo com vertentes pouco tematizadas pelo próprio (particularmente o pensamento descolonial e latino-americano).  Por fim, contamos, ainda, com uma inestimável contribuição de Matheus Oliva da Costa Ana Carolina Mariani, que resenham o livro de Han Filosofia do Zen Budismo - talvez um dos livros mais propositivos de Han, que traz o ápice de sua importante - ainda que marcada (paradoxalmente) por um orientalismo sistemático - reflexão sobre a cultura e filosofia do Extremo Oriente como contraponto à forma de vida capitalista contemporânea. 

Fortuitamente, nesta edição de nossa revista, contamos ainda com artigos de fluxo contínuo que, mesmo não estando inseridos no dossiê, não deixam de ter profundas conexões com ele: em primeiro lugar, o artigo de Edson Kretle dos Santos, ao discutir a política em Hannah Arendt, busca, justamente, "repensar os significados da política e alguns dos seus principais conceitos, tais como a violência, o poder e, principalmente, a liberdade (p. 209)" - um interesse que está em profundo diálogo com o Dossiê, uma vez que tais conceitos também são centrais para a reflexão de Han sobre o presente (de modo que não é por acaso que uma das principais interlocutoras de Han é a própria Hannah Arendt). O próximo artigo, de Carlos Daniel de Souza Martins e Talita Cristina Garcia, ao tematizar a fragmentação humana a partir das categorias antropológicas de Lima Vaz, dialoga profundamente com a filosofia de Han, na medida em que busca achar as condições humanas fundamentais que seriam comprometidas em nossa sociedade contemporânea e no seu modo de reprodução, de modo a coibir e impossibilitar uma verdadeira autorrealização do ser humano em sua dignidade própria. A seguir o artigo de Antonio Vitor Favero Suderlan Tozo Binda, ao "apresentar a teoria de Sigmund Freud como caminho filosófico possível para a compreensão do homem" (p. 252) em conexão com o Hamlet de Shakespeare, fornecem um retrato da condição humana que, embora não abordado pelo Dossiê, desempenha um papel fundamental na filosofia de Han, mesmo que a partir da relação crítica desta em relação a ele: o retrato psicanalítico freudiano. Por fim o artigo de José Bezerra da Silva Anderson de Alencar Menezes coroa a edição trazendo a reflexão sobre nossa sociedade contemporânea para a dimensão concreta, local e singular de nosso próprio contexto brasileiro, apontado para a importância do Plano Estadual de Educação do Estado de Alagoas (PEE-AL) "para a consecução do reconhecimento da juventude quilombola alagoana" (p. 278), o que nos lembra da importância de levar a reflexão filosófica sobre a condição humana desenvolvida nos artigos anteriores para além de perspectivas generalistas, pensando-a de acordo com os contextos, culturas e demandas específicas da nossa própria realidade brasileira - ou seja, usando dessa reflexão não apenas para pensar o presente, mas para pensar, também e sobretudo, o nosso presente. 

Acreditamos assim que, de modo fortuito, o conjunto dessa edição ofereça uma reflexão orgânica sobre a condição humana na sociedade contemporânea, de modo que faz com que o Dossiê aqui apresentado cumpra perfeitamente o papel que lhe foi atribuído nesta apresentação, ou seja: de não ser, meramente, um dossiê para pensar a filosofia de Han, ou de qualquer figura específica, mas, antes e sobretudo, um ensejo para pensar o presente.

 

Lucas Nascimento Machado

Editor e Organizador do Dossiê

Link: http://www.revistasisifo.com/p/edicao-atual_20.html