Uma dose de credibilidade

Gilson Linhares

Doutorando em Filosofia na UFBA

29/04/2021 • Coluna ANPOF

Estamos vivendo nos últimos anos uma situação muito delicada e de completo caos nos meios informativos, sejam eles científicos ou a própria imprensa. Duas são as instituições sociais que sofrem ataques sobre seu testemunho atualmente, a saber, a ciência e a imprensa. Os ataques, com o advento das redes sociais, ganharam uma notoriedade nunca antes tão grande. As chamadas fake news produzidas em massa estão causando verdadeiros caos sociais e manipulando negativamente o campo informativo. Travestindo-se de jornalismo, os grupos que produzem as fake news acabam colocando em cheque a credibilidade e a confiança das pessoas nas instituições sociais acima citadas.

Por isso, com o presente texto pretendo apresentar alguns critérios debatidos no campo da epistemologia social que possam nos indicar algum caminho que nos leve à lucidez no meio desse caos que se instaurou em nossa sociedade. Esses critérios devem nos conduzir ou nos aproximar de testemunhos confiáveis, não pretendem de modo algum atingir a perfeição, a impossibilidade de erro, pois nem sempre será possível verificar tais critérios de atribuição de credibilidade.

Na epistemologia tradicional o testemunho aparece como uma das fontes de conhecimento ou formação de crenças. A partir daí se desenvolve um novo ramo da epistemologia contemporânea, denominada epistemologia social, pois a nossa fonte de crença passa a ter um tipo de evidência que não é captada diretamente pelas nossas percepções, memória, raciocínio ou introspecção, mas sim uma “evidência social”. Passamos das fontes individuais de crença para um compartilhamento de informações que envolve uma evidência social. Evidências sociais podem ser quaisquer dados ou informações emitidas por alguém ou por uma instituição social. Deste modo, fica evidente que o testemunho é a principal fonte de crença na epistemologia social. Ao longo o texto apresentaremos algumas definições importantes para a compreensão do tema, porém, pretendemos com esse texto focar no segundo emissor de informações supracitado, a saber, uma instituição social. Tentaremos apresentar alguns critérios que podemos utilizar para julgar se tais testemunhos merecem nosso crédito e confiança como fontes confiáveis de conhecimento.

O que devemos entender por testemunho? O testemunho pode ser entendido como uma transmissão intencional de informações, o que o distingue de falas cotidianas e expressões não informativas. Para que ocorra um testemunho, isto é, a transmissão de informações, Lakey diz que é necessário dois elementos básicos, aquele que testemunha como orador e o ouvinte. O orador executa o ato da comunicação de informações para um ouvinte. O ouvinte deve compreender razoavelmente a informação. No caso do que pretendemos abordar, uma instituição social deve emitir informações relevantes, claras, para que os ouvintes compreendam bem.

A definição geral de testemunho:

S testemunha que X através da comunicação quando:

1 – S pretende transmitir a informação X.

2 – O testemunho possui características que o distingue de falas cotidianas.

Portanto, o testemunho não é uma mera comunicação do pensamento.

Agora que definimos o que estamos entendendo por testemunho surge uma questão extremamente relevante, quais são as razões pelas quais devemos acreditar em um testemunho? No caso de instituições sociais, quais são os critérios para crermos no seu testemunho?

Normalmente quando estamos em uma situação como a do testemunho julgamos dois elementos: o falante e o conteúdo de sua fala. A partir disso, nós damos maior ou menor importância ao que está sendo dito e também atribuímos maior ou menor credibilidade. Porém, precisamos de alguns critérios que sejam realmente relevantes para julgarmos corretamente o nosso orador e é isso que apontaremos a partir de agora.

Quando instituições sociais, como a imprensa através do jornalismo ou ciência, se manifestam sobre algo podemos avaliar a credibilidade do testemunho através das seguintes questões: Qual é o histórico de enunciar verdades deste emissor? Nós temos algum conhecimento prévio do assunto em questão? Qual é a fonte de informação do emissor? Qual é a posição mais defendida? Há coerência no que o orador diz? Há correspondência ou conexão entre o conteúdo enunciado e os fatos? O orador parece nervoso ou inseguro?

Acredito, que com esta breve apresentação dos critérios de avaliação para atribuir ou não credibilidade a um testemunho poderemos nos guiar melhor diante do caos informativo que vivemos atualmente. Ou pelo menos que seja levantada uma possibilidade de discutir critérios melhores.

REFERÊNCIAS:

FRICKER, M. Epistemic Injustice: Power and the Ethics of Knowing. Oxford University Press (2007).

GRECO, J. (2016) “What is transmission?”. In: Epistemic, Volume 13, Issue 4, pp. 481-498.

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LACKEY, J (2006) “The nature of testimony”. In: Pacific Philosophical Quarterly 87, pp.177-197.

MCKINNON, R.(2016) “Epistemic Injustice”. In: Philosophy Compass 11/8, pp. 437-446. GOLDMAN,A. I.(2015). “Social Epistemology”. In. Stanford Encyclopedia of Philosophy, https://plato.stanford.edu/archives/sum2018/entries/epistemology-social/