A favor de Butler e da liberdade, contra a violência!

13/11/2017 • Notas e Comunicados

Nota de repúdio à agressão sofrida por Judith Butler e Wendy Brown no aeroporto de
Congonhas em São Paulo em 10/11/2017

 

Recentemente vimos a diretoria da ANPOF manifestar-se em desagravo a uma petição  pública a fim de impedir a participação da filósofa no seminário "Os Fins da Democracia" promovido pelo Sesc Pompéia, em São Paulo, no início de novembro de 2017. Segundo a nota, estava em questão a “liberdade de pensamento” de pesquisadoras e pesquisadores que “desenvolvem um trabalho intelectual cuja premissa é a liberdade de pensamento, a possibilidade de crítica, e a capacidade de colocar em debate questões relevantes para o conjunto da sociedade”. Uma liberdade, conclui a nota, que se encontrava ameaçada “por grupos que pretendem impedir a vinda de Butler ao Brasil”. Diversas outras associações acadêmicas, como a Anpocs, a SBC e a Abraco, também se manifestaram em desagravo à petição pública.

Os grupos que associam a filósofa à decantada “ideologia de gênero” possuem uma articulação política que vem atacando intelectuais, professorxs, mas não apenas essxs. Longe de ser um conceito propriamente enunciado, trata-se de uma bandeira política que faz emergir um pânico moral em torno das discussões sobre diversidade de gênero dentro e fora das escolas, em nome da “família”, da "salvação das crianças". Uma bandeira erguida também contra o aborto sob a máscara da “defesa da vida”. Violência contra filósofas que se engajam com liberdade nas discussões políticas sobre essa questão não são recentes, como mostra o ocorrido em 6/08/2015, em audiência no Senado Federal sobre a possibilidade de legalização do aborto até a 12ª semana de gravidez. Na mesa de debatedores a convite da Comissão de Direitos Humanos (CDH), encontrava-se Márcia Tiburi, defrontada por um público majoritariamente contrário a sua presença, sendo frontalmente ameaçada por pessoas furiosas, ironizada por pastores, padres conservadores de batina e redes de televisão religiosas. Vimos nesta semana o retrocesso a essa questão com a PEC 181, chamada de Cavalo de Tróia, ao camuflar a proposta de criminalização total ao aborto sob o pressuposto de que "a vida começa desde a concepção", contrariando o texto constitucional, mas apesar disso já aprovada na comissão especial da Câmara dos Deputados.

O GT de Gênero da ANPOF, em 1/11/2017, ocupou o espaço da coluna da ANPOF, em texto intitulado “Para ler Butler como alvo e pensadora dos discursos de ódio”, detalhando os motivos raivosos que atacavam a filósofa em sua vinda e de como a própria teoria de Butler os detecta dentro da seguinte perspectiva: uma “rodada nova de violência colonial, na produção de precariedade, das massas de excluídos (exército de reserva sempre necessário para acumulação de capital), de “crises” que justificam ações sobre os corpos, pelo controle do tempo de trabalho, da reprodução sexual, do alimento, da água, enfim, de toda a rede de sustentação da vida, incluindo a memória, conhecimento e a cultura, e ataques do qual professores das redes públicas de ensino fundamental e médio já são alvo, como os relatos publicados aqui (https://apublica.org/2016/08/ameacas-ofensas- e-sindicancias/)”.

As poucas pessoas que acabam de atacar Judith Butler e Wendy Brown no aeroporto de Congonhas em 10/11/2017 pertencem ao mesmo grupo, utilizam os mesmos insultos, desta vez contra a notória filósofa norte-americana, sobre a qual pouco sabem e sobre cuja importante teoria para o momento, de amplo reconhecimento intelectual, ignoram. Butler, felizmente, foi recebida em Salvador, no teatro Castro Alves, em 5/09/2015, por 1.500 entusiasmadxs pesquisadorxs. O que mudou de 2015 para cá em sua recepção no Brasil? O que teremos pela frente? Respostas que fogem ao escopo desta nota, mas que mostra a diminuição diária de nossa liberdade e o avanço de uma ideologia – em sentido forte e crítico – que se alastra de uma maneira midiática planejada, tendo em vista levantar a poeira do ódio, obstruir a visão e elevar paixões violentas.

Há paralelos com um passado recente. Atacar filósofas e filósofos de maneira explícita, com ameaças físicas e verbais de extrema violência, como as que foram insufladas contra Marcuse no período em que lecionava na Universidade de San Diego, soavam ingênuas há poucos anos. Como pensar que um professor de filosofia amado por seus alunos, entre eles a militante black-panther Ângela Davis, pudesse ser frontalmente combatido pelo poderoso governador do Estado da Califórnia à época, Ronald Reagan? Quem poderia imaginar que a despretensiosa Judith Butler, corajosa e anti-estelar em sua aparência, pudesse precisar de tal proteção para tomar um simples voo no aeroporto de São Paulo? Devemos considerar a expressão de defesa assustada de Wendy Brown ao ataque como medida de reação possível?

Butler e a Teoria Crítica amparam as nossas reflexões sobre os tipos de violência que nos acometem no momento. É árdua a tarefa de pensar sobre os problemas de seu próprio tempo, mas enquanto buscamos ferramentas para compreensão de fenômenos tão intensos quanto surpreendentes, não podemos deixar de nos manifestar veementemente contrárixs a toda forma de violência física, verbal ou simbólica contra o pensamento filosófico que Judith Butler e Wendy Brown representam.

GT Filosofia e Gênero da Anpof
Professorxs e estudantes do PPGFIL/UnB