Nota de Falecimento - Andrea Loparic

Tessa Moura Lacerda

Profa. USP

26/10/2021 • Notas e Comunicados

Andrea Loparic é um grande nome da área de Lógica no Brasil e uma das treze professoras do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo.  Com imensa tristeza comunicamos seu falecimento no dia 25 de outubro de 2021.

Conheci Andrea Loparic no terceiro ano de minha graduação. Ela ministrava a disciplina obrigatória de Lógica II. Nunca fui capaz de compreender de fato o campo da Lógica, mas Andrea fez com que eu me encantasse por aquela linguagem que mais parecia matemática – perdoem-me os colegas da área de Lógica pela minha ignorância. Andrea Loparic tinha um conhecimento profundo da Lógica, como explica meu colega Edelcio Gonçalves de Souza, em seu belo texto, a nota de pesar do Departamento de Filosofia da USP, e tem uma “contribuição (...) na área de semântica das lógicas paraconsistentes por meio da teoria de valorações. Trabalhando com o Professor Newton da Costa, Andrea formulou métodos que permitiram elaboração de provas de completude e decidibilidade de sistemas lógicos em que o princípio do ex falso não vale.”

Por um semestre mergulhei naquele universo de uma professora claramente apaixonada pelo ofício! Generosa e firme, ela nos conduziu naquele mundo de símbolos. Eu entrei – tirei 10 nas duas primeiras provas. Mas muitos de meus colegas não fizeram esse mergulho. Haveria uma terceira prova, a derradeira. Decidimos formar uma comissão para que os estudantes tivessem mais chance de recuperar a nota e eu fui uma das escolhidas para ir falar com ela. E foi ali, no antigo cafezinho do prédio de Filosofia e Ciências Sociais da FFLCH, que nos tornamos amigas. Ela olhou para mim e riu, “mas você? Você tirou 10 em todas as provas! O que você está fazendo aqui?”. E desmontou minha seriedade e o discurso que havia ensaiado: “justamente por isso...”, tentei explicar. E ela pegou minha mão e riu e disse, “Olhe aqui – com seu sotaque inconfundível de Pernambuco e que conversava muito bem com meu sotaque baiano –, vamos dar um jeito nisso, certo?”, sorrindo. Disse-me isso com aquele olhar penetrante, profundo, que sempre teve e que se reconhece nas fotos de juventude também, e um sorriso imenso, sua marca! Andrea costumava falar sorrindo!

Muitos anos se passaram desde esse dia até virarmos colegas. Andrea sempre fazia festa para mim e ainda comentava minhas notas em todas as rodas de conversa, com o carinho de antiga professora e amiga. Uma professora brilhante, como disse meu colega Homero Santiago, no sentido mais alto que esse termo pode ter: “o conhecimento mais profundo de sua área de trabalho combinava-se a uma generosidade ímpar”, nas palavras dele.

Generosidade que mais uma vez nos aproximou, a mim e a Andrea, quando há cerca de quatro anos, embora debilitada pelo tratamento de um câncer, chamou-me para conversar em sua casa sobre a militância política que teve em sua juventude. Ela havia descoberto a militância política de meus pais na Ação Popular, nos anos 70. Andrea foi da geração que fundou a Ação Popular; meus pais, mais jovens, entraram depois, quando ela já estava fazendo pesquisa na França. Andrea procurou as pessoas que teriam conhecido meu pai, morto sob tortura em 1973, durante a ditadura civil-militar brasileira. Foi assim que organizou, por exemplo, um pequeno jantar em sua casa para que eu pudesse conversar um pouco com ela e com quem tivesse memórias da ditadura e de meu pai. No jantar, estavam também seus netos, que ela tanto amava. Uma delas, Luíza, foi minha aluna, e era uma grande felicidade para nós, para mim e para Andrea, essa pequena coincidência.

Além da contribuição teórica, Andrea deixa um legado de paixão pela docência, militância política em defesa da democracia, que jamais abandonou, e, como escrevi a sua neta Luíza, uma marca em todos que tiveram o privilégio de conhecer esta mulher guerreira e doce!

26 de outubro de 2021