Para professores de Filosofia, BNCC deve ser revogada

04/08/2018 • Notas e Comunicados

Para Paschoal, essa nova BNCC foi feita sob encomenda e pautada por interesses exteriores ao mundo da educação, como é o caso daqueles manifestados no Seminário Unibanco. “Não é possível discutir todo o futuro da educação em um dia e sem canais de transmissão de um debate. Isso deveria ser feito de forma ampla e com tempo, o que não condiz com o modo como esse processo está sendo conduzido, que pauta justamente pela pressa e por evitar debates amplos e sérios”, comenta o professor sobre esse dia D.

Para os professores, essa terceira versão foi forjada num processo bastante diferente das outras duas primeiras versões, que envolveram um amplo debate com profissionais envolvidos na Educação Básica, realizados nas mais diferentes instituições. Lindberg relembra que, através de um sistema via internet, o MEC reuniu em torno de 12 milhões de sugestões de todo o país. Desses, 189 mil contribuições, de fato, com emendas, sugestões e críticas. Esta terceira versão, contudo, se relaciona com a Reforma do Ensino Médio que, como apresentada, não foi pautada em debates, colocando a comunidade à margem dessa decisão. “Entre a primeira, a segunda e terceira versões há uma diferença abissal. Essa terceira versão não tem nada a ver com as anteriores. Na minha visão, esse dia D tem objetivo de tentar legitimar essa terceira versão que é prejudicial para o Ensino Médio e também Filosofia”, afirma o professor da UFS.

Por essa associação intrínseca da terceira versão e da Reforma do Ensino Médio, os professores não acreditam que seja possíveis adaptações desta nova BNCC. Assim, eles defendem que esta base seja revogada, uma proposta já apresentada pela SBPC. “Assim, haverá a retomada do processo pelo caminho que ele deveria ter seguido”, afirma o professor da UFPR. Para Christian Lindberg, esse caminho se apresentaria como “dos males, o menor”, mas ele apresenta uma proposta, caso isso não aconteça. “Penso que a comunidade filosófica, no âmbito dos estados, deve reivindicar aos secretários de educação que o ensino de Filosofia seja mantido. A nova lei pode tudo, inclusive nada. E nesse pode tudo, transfere para os estados a responsabilidade de reorganizar os currículos. Estamos às vésperas de eleições, pode ser um bom momento”, alerta o professor.

 

Deficiências da terceira versão

Os professores de Filosofia nos indicam algumas das principais deficiências desta terceira versão da BNCC. Uma delas diz respeito ao fato da base não considerar a heterogeneidade das escolas brasileiras. Para Christian Lindberg, ao transferir para os estados a prerrogativa de reorganizar seus currículos, a base tende a ampliar as desigualdades regionais. “A realidade pública de Sergipe é diferente da de São Paulo, Amazonas ou Distrito Federal. O estado que tiver mais condições de ofertar os melhores arranjos curriculares, ofertarão melhores condições para seus alunos, o que deve ampliar a desigualdade regional e social”, explica.

Outro problema indicado por Lindberg diz respeito à composição da carga horária da BNCC que, contrariamente à propaganda que o MEC busca fazer, não assegurará, necessariamente, possibilidades de escolha aos alunos. Nessa composição, há as disciplinas obrigatórias (Português e Matemática), as áreas de conhecimento (linguística e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências naturais e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas e suas tecnologias). Juntas, cumprem 60% da carga. Os outros 40% são os chamados itinerários formativos, nos quais serão incluídos formação técnica ou profissional. “O problema é que a Lei do Ensino Médio obriga que as escolas ofertem pelo menos um desses cinco itinerários formativos. Onde não houver condição de ofertar mais de um, o aluno não terá possibilidade de escolha daquilo que é melhor de acordo com seus interesses”, explica o professor.

A antecipação da especialização é outro ponto que preocupa os professores. Para Paschoal, isso acaba por eliminar o caráter formativo amplo. “Pela lei de Diretrizes e Bases, lei 9394 de 1996, o Ensino Médio deveria se ocupar da “formação integral do aluno” e não como se preconiza pela ideia de formação para o trabalho ou esperando que o jovem tome decisões sobre sua área de atuação antes mesmo de ter passado por esse processo formativo amplo”, critica. Para Lindberg, isso vai na contramão de uma tendência internacional de retardar a especialização. “Temos em algumas universidades bacharelados e licenciaturas interdisciplinares. Nos primeiros dois anos, o aluno estuda assuntos comuns e depois se especializa. Antecipar essa especialização no Ensino Médio pode trazer grandes prejuízos, principalmente porque dificilmente o aluno que estuda em escola pública, com precarização e déficit de professores, dificilmente terá condições de disputar o acesso ao ensino superior com alunos de escolar particulares, que aprenderão todas as disciplinas e outros conteúdos”, argumenta.

A possibilidade de Ensino à Distância é também alvo de crítica do professor. “A escola, até então, servia também como espaço de socialização, de pertencimento do jovem, conhecimento do outro, do diferente; um espaço para cultivar alteridade. Quando tira esse jovem da escola, ela deixa de cumprir essas funções. Teremos, assim, jovens cada vez mais isolados e sem a possibilidade de desenvolver a sociabilidade”, comenta.

 

Os prejuízos para Filosofia

Com a Reforma do Ensino Médio, a Filosofia deixa de ser uma disciplina obrigatória, e, nesta terceira versão, sequer aparece como estudos e práticas, aparecendo diluída na grande área de ciências humanas, sociais e aplicadas. O professor Christian explica a redução da Filosofia nesta nova lei: das cinco grandes áreas, só aparecem ética e filosofia política e epistemologia. E no caso da primeira, pautada no exercício da cidadania. “Nas habilidades e competências, a Filosofia vai ser dissolvida e restrita a duas grandes áreas e em pontos bem específicos. Primeiro, ela perde o caráter de disciplina obrigatória, com conteúdos filosóficos diluídos em uma grande área, e nessa diluição, apenas duas áreas das cinco da filosofia serão contempladas. É um retrocesso de praticamente 20 anos. Quando a LDB foi aprovada em 1996, o aluno deveria ter noção de filosofia e sociologia. Essa terceira versão recupera essa ideia, descartando as conquistas dos últimos anos”, critica Lindberg.

Além disso, a terceira versão da BNCC, diferentemente das primeira e segunda, altera a ideia de direito de aprendizagem por habilidades e competências. O professor Christian indica o problema disto: fortalecer a perspectiva de um ensino sob o viés utilitarista. “O que for útil para vida dele, vai aprender, o que ano for, não vai. Questões estéticas, lógicas, existenciais, como a indagação do papel do homem na sociedade, a origem do ser humano, as questões de caráter epistemológico vão ser renegadas. Fazendo com que educação, ao invés de formar indivíduos para cidadania, forme cidadão para exercício de funções laboriais”, explica.

Para Paschoal, essas alterações provocarão uma acentuação das diferenças sociais, em especial considerando que a escola pública não irá poder manter as ofertas dos itinerários formativos nem a qualidade do ensino, o que será, por outro lado, mantido com altos custos em instituições de ensino privadas. “A longo prazo, a atual mudança significa retirar do jovem pobre a esperança de ascensão social, configurando-se, assim, num modo de perpetuar e aprofundar as diferenças sociais no pais”, resume o professor.