GT Pensamento Filosófico Brasileiro


Nas duas últimas décadas, desde a virada para o novo milênio, nota-se na comunidade filosófica um interesse crescente pela filosofia brasileira, visada em suas duas acepções: [i] filosofia feita ou difundida no Brasil, indiferente ao crivo do nacional ou de raízes em nossas terras [filosofia no Brasil], [ii] filosofia feita em nosso país, com enraizamento nacional ou brasileiro [filosofia do Brasil].

Ademais, nota-se um alargamento do escopo da temática ou da agenda da filosofia brasileira ou feita no Brasil ao explorar novas direções da experiência intelectual e da cultura nacional, para além da chamada filosofia acadêmica, caracterizada pelo eurocentremismo e o colonialismo epistêmico: na direção da matriz ameríndia, como nos trabalhos de Eduardo Viveiros de Castro, que vem da antropologia, mas com implicações filosóficas de primeira ordem, havendo despertado interesses em nossos meios; na direção da matriz africana, não menos do que a ameríndia, por vários séculos silenciada e agora em primeiro plano em nossa agenda, motivando dossiês em revistas especializadas, como o da revista Aurora em seu último número (2021); na direção da questão de gênero, com abertura para o pensamento feminista, ao trazer para a filosofia o tema da interseccionalidade, em cuja origem vamos encontrar Angela Davis e seu trabalho seminal sobre a tríplice opressão sofrida pela mulher negra nos Estados Unidos: como classe, como raça [etnia] e como gênero.

Por fim, além da ampliação do escopo e da temática, houve uma mudança significativa nos quadros daquilo que poderíamos chamar de práxis filosófica dentro e fora da academia: a preocupação e mais ainda a disposição de vencer a tendência, a preferência e o viés de vários séculos em favor da exegese ou do comentário de textos –de textos considerados canônicos e promovidos a tais –, abrindo espaço para novas experiências e expressões do filosofar; umas e outras buscadas nas interfaces com a visão de mundo, as artes, a ciência, a tecnologia, a política, a cultura enfim, ao dar vazão ao ensaísmo e à pauta da filosofia engajada nas questões nacionais e urgências do tempo.

É neste contexto que o GT Pensamento Filosófico Brasileiro está sendo criado, caracterizado pela abertura da agenda de discussões e pelo espírito crítico, ao se abrir para as diferentes esferas da cultura e da própria práxis filosófica, como ressaltado – donde a nossa escolha por “Pensamento filosófico brasileiro” ao qualificar o Grupo, numa tentativa de vencer a dicotomia filosofia no / do Brasil, bem como de vencer a ideia algo estreita de considerar como canônica apenas as obras dos chamados clássicos europeus, ampliados recentemente, no último século, ao incluir filósofos e textos da América do Norte. Assim, ao dar vazão a novas práxis e abrigar toda uma nova categoria de textos e experiências, trataremos de ir além e vencer os limites da filosofia tradicional ou acadêmica, marcando nossa agenda de discussões, enquanto grupo de pesquisa, por um envolvimento com nossa história e contexto, particulares, com efeito; por uma virada que por fim dê espaço a uma pauta própria de temas e problemas, com antecedentes históricos nossos; por uma abertura à filosofia feita em outros centros, ao reconhecer o cosmopolitismo da filosofia, mas com ênfase nas diversas áreas da atividade filosófica, a partir dos modos como se apresentam no país – enquanto temas e problemas históricos, culturais e materialmente situados. E o que é importante: tudo isso sem esquecer que se trata de um grupo de pesquisa e colaboração em filosofia, voltado para o conhecimento, a reflexão, a promoção e o uso de expressões e movimentos, debates e tradições brasileiras de pensamento e espírito crítico, de filosofia em sentido estrito, ou simplesmente de alcance filosófico, sempre no prisma filosófico.

Em suma, em suas diferentes frentes de atuação, o GT Pensamento Filosófico Brasileiro irá desenvolver os eixos do diálogo, do pluralismo e do pensamento crítico, com relação à prática da filosofia em nosso país, visando a elaboração de uma agenda própria no âmbito da ANPOF – a um só tempo à margem dos nacionalismos ufanistas e acríticos, bem como do neocolonialismo cultural e epistêmico que ainda caracteriza uma boa parte da intelectualidade nacional.

Para tanto, em seu primeiro eixo, o GT propõe o diálogo com as diversas matrizes tanto do hemisfério norte quanto do sul a partir da realidade brasileira e sem reduzir o trabalho intelectual – mais uma vez voltamos ao ponto – ao comentário e à exegese de textos estrangeiros. Este GT dialoga também com as pesquisas etnográficas ameríndias e os estudos africanistas em suas diferentes vertentes, como ressaltado, mantendo-se consciente de suas duas missões: por um lado, desenvolver reflexões no âmbito do pensamento filosófico a partir da nossa realidade, antes colônia portuguesa, hoje inserida no mundo global, mas ainda na franja do sistema vigente; por outro, pautar-se pela reconhecida via de diálogo com as heranças judaica e árabe, ibérica e hispânica, italiana e demais que integram a cultura e formação nacional em geral, para além das três escolas hegemônicas, francesa, alemã e inglesa.

No segundo eixo, o GT integra o pluralismo de ideias à luz do princípio da tolerância epistêmica sem perder de vistas o lugar da particularidade do pensar, em especial o pensar filosófico em sua especificidade, modelado por diferentes tradições. E, guiado por amplo espectro temático, reflete-se a partir das pautas sociais com o intuito de captar a metalinguagem dos movimentos sociais e integrá-los na agenda filosófica à luz da situacionalidade e historicidade do pensamento filosófico brasileiro. Trata-se, então, de aliar o cosmopolitismo, abrindo-se à agenda universal do pensamento e transcultural da história da filosofia, à agenda local e contextualizada da filosofia, com seus enraizamentos em diferentes povos e culturas – brasileiros, no caso.

No terceiro eixo das atividades planejadas, centrado no pensamento crítico, o grupo abre-se à produção ensaística e autônoma, priorizando a pauta das humanidades ao ajustá-la e trazê-la para a atualidade, valorizando os autores e a língua nacional como veículos de produção filosófica e integrando reflexões sobre política, justiça, desigualdades e humanidades em nossa sociedade.

Entendemos que a comunidade filosófica brasileira congregada na ANPOF – ao dar abrigo a vários PPGs com uma quantidade expressiva de pesquisadores comprometidos com o tema do pensamento filosófico brasileiro, bem como a colegas igualmente comprometidos, fora dos PPGs, mas atuantes em departamentos de filosofia e em áreas próximas – está madura para criar um GT com as características apontadas e cuja massa crítica pode ser confirmada na lista de participantes apresentada em seguida.